04 abril 2007

Luz de velas

Abriu a porta para o rapaz da floricultura que trazia nas mãos um belo buquê de flores do campo. Nunca gostou de rosas. Agradeceu com uma pequena gorjeta e fechou a porta lendo o cartão escrito com uma caligrafia quadrada inconfundível: “Te encontro no jantar”.
Preparou seu prato preferido. Colocou uma garrafa de vinho para gelar. Arrumou a mesa com capricho dispondo um par daqueles pratos de porcelana quadrados dos quais não abriu mão quando comprava as louças para o pequeno apartamento que comprou a tanto custo.
Tomou um banho demorado, prendeu os cabelos e colocou aquele vestido preto que só usava em ocasiões especiais. Passou o perfume de orquídeas que estava economizando, pois já estava no fim.
Olhou para a mesa. Algo faltava. Tirou do armário um antigo castiçal que costumava usar nas festas de fim de ano. Parecia perfeito para a ocasião. Deu mais uma olhada no espelho do corredor e decidiu soltar os cabelos. Achava que assim aprecia mais jovem.
Acendeu cuidadosamente as velas e sorriu ao olhar mais uma vez as flores sobre o balcão. Serviu os dois pratos e fingiu surpresa ao encontrar, sob o seu, um pequeno bilhete com um “Eu te amo” escrito com a mesma caligrafia.
Comeu, tomou seu vinho, tudo no mais profundo silêncio, que só era quebrado pelo ronronar do gato que insistia em se acarinhar em seus pés.
Ao terminar, sentou-se no sofá bebendo mais uma taça. Intimamente preferia uma xícara de chá, mas havia desistido do hábito há alguns anos cansadas das noites de insônia que lhe causava.
Aos poucos pegou no sono, com o gato aninhado no colo. Quem quer que esperasse nunca chegou.
Na mesinha ao lado repousava um pequeno caderno de telefones, escrito com a mesma caligrafia quadrada, e de dentro dele pendia um ticket da floricultura, pago com seu próprio cartão de crédito.

3 comentários:

Anônimo disse...

Às vezes precisamos encontrar-mo-nos conosco. E por que não no mais alto estilo? Por que não brindarmos à nossa existência e nos amarmos como a um amante?
Belo conto, moça.
Acho que hoje vou preparar um jantar...

Anônimo disse...

Muito bonito! Admito que me envolveu, quase que saio daqui para jantar com a moça...

Beijão

(Me lembrou uma personagem do filme Janela Indiscreta, do Hitchcock, que fazia algo parecido. Fica a minha recomendação do filme)

Prof. André Moniz disse...

Que legal seu conto.
Arrepiou-me aqui o desfecho.

Amor é mesmo tudo o que todo mundo precisa.

Bjos