Olhava insistentemente para o relógio, na esperança de que o tempo passasse mais rápido, para poder descansar durante o intervalo de almoço.
Costumava almoçar em um pequeno restaurante por quilo que ficava logo ali, atravessando a praça. Não que a comida fosse ótima, mas já havia se acostumado com as mesmas pessoas que comiam apressadas todos os dias. Até já se atrevia a cumprimentar algumas delas com um “Olá” ou “Como vai?!”.
Após o almoço, passava na banca de jornais, dava uma espiada nas notícias e comprava um chocolate. Atravessava a praça degustando seu minuto de paraíso, desviando das crianças que corriam com seus uniformes. Prometia a si mesmo que no amanhã não o comeria, pois precisava adquirir hábitos mais saudáveis.
Foi em um desses dias que, comendo seu chocolate, ele teve a visão do ser mais deslumbrante da Terra. Ela era linda! Não como as estrelas da tv. Tinha uma beleza singela, mas incomparável. Tinha os cabelos revoltos presos com um pincel e uma mecha teimosa de franja que insistia em cair sobre os olhos, atrapalhando sua leitura aparentemente interessantíssima. Tudo parecia desaparecer diante de tanta beleza. Até esqueceu o chocolate que já derretia na mão. Queria ficar ali para sempre, apenas observando a moça sentada no banco da praça.
Já atrasado, retornou ao trabalho. Nunca as reclamações lhe soaram tão melodiosas. Ele nem mesmo se importava com as velhinhas que se atrapalhavam ao digitar as inúmeras senhas do cartão.
Nos dias seguintes almoçava apressado para poder observar por mais alguns segundos a moça com o pincel no cabelo. Talvez fosse professora, ou talvez uma artista. Artista era algo que combinava com sua beleza.
Passou a sentar-se no banco em frente ao dela todos os dias. Pedia para que o chocolate, que parecia muito mais gostoso, fosse eterno para não ter que sair mais dali. Nesse dia decidiu que a cumprimentaria na partida. Respirou fundo e, ao perceber que ela ergueu os olhos ao vê-lo levantar, soltou um quase mudo “tchau...”. Ela sorriu. Achou que ia morrer naquele instante. Era o sorriso mais doce que já recebeu, talvez o único do dia.
No dia seguinte, ao sair da agência, não foi almoçar. Muito menos se lembrou da guloseima de costume. Colheu uma margarida do canteiro da praça e caminhava segurando-a com as mãos trêmulas.
Sentou-se no banco e esperou até que ela chegasse. Foi quando ele a avistou. Trazia os cabelos soltos. Mas dessa vez não se sentou no banco, nem mesmo tinha o livro nas mãos. Ela caminhava em sua direção como se flutuasse. Atônito se levantou e observou a moça que vinha.
Quando estavam frente a frente, sem saber o que fazer levantou a pequena margarida, que nessa altura já estava murcha com o suor de suas mãos. Ela a pegou, cuidadosamente colocou-a nos cabelos e lhe deu um doce beijo. Sorriu, abaixou os olhos e se foi. Ele nem ao menos pode ouvir sua voz.
Desse dia em diante, a jovem nunca mais voltou à praça e os chocolates nunca mais tiveram o mesmo sabor, comparados ao doce gosto dos seus lábios...