29 maio 2007
Dos Três Mal Amados
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço
O amor comeu meus cartões de visita,
O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome
O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas,
O amor comeu metros e metros de gravatas
O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos
O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
João Cabral de Melo Neto
13 maio 2007
Surpresa
No caminho de casa comprou algumas flores e os ingredientes daquela macarronada que adorava. Achou que combinariam perfeitamente com a noite.
Ao chegar em casa deixou a sacola sobre o balcão e foi preparar o jantar para o marido que logo chegaria. Além do prato preferido preparou também aquele manjar de baunilha que tinha um delicioso gosto de infância.
Ao chegar em casa o marido espantou ao perceber a porcelana de festa posta à mesa com o bom gosto de costume e um vaso de flores sobre a mesa da sala. Ao questionar a esposa sobre o motivo de tanta produção, recebeu como resposta um misterioso “Por que hoje é um dia especial, meu Amor...”.
Preferiu não insistir, pois sabia, depois de seis anos de casamento, que a esposa detestava quando insistia em descobrir suas surpresas. “Afinal, se você descobrir não será mais surpresa...” era o que sempre dizia.
O clima durante o jantar foi animado, conversaram sobre amenidades do dia-a-dia, mas nada que desse ao marido uma pista do que realmente estava acontecendo.
A pós a sobremesa, a esposa se levanta e busca um pequeno embrulho de presente, que esteve o tempo todo guardado dentro da sacola colorida e o entrega ao marido.
Surpreso, ele abre cuidadosamente o laço de fita. Finalmente abre um grande sorriso ao observar que dentro da caixinha, protegidos por um delicado papel de seda estavam dois pequenos sapatinhos de bebê.
05 maio 2007
Experimental...
03 maio 2007
Fuga
Corria como louca. Acelerador no máximo. Ergueu o volume do rádio para não ouvir o som da buzina que soava incansável. Já era tarde da noite, mas não sentia nenhum sinal de cansaço. Sabia que poderia dirigir a noite toda se fosse preciso.
A cidade vazia colaborava com a perseguição. O carro de trás dava sinais de luz, mas ganhava como resposta cada vez mais velocidade. Ela só queria chegar em casa.
Os carros ficam lado a lado em uma avenida. O motorista que a seguia faz sinais para que espere. Ela não pára. Desconta toda a sua raiva no acelerador.
Já consegue ver seu prédio no final da rua. Logo estaria segura e não precisaria ver aquele rosto nunca mais.
Quando chegava no portão foi fechada pelo carro que a perseguia, impedindo assim sua entrada no estacionamento. Por pouco não bate.
O motorista sai do carro, abre sua porta, que após o fervor da discussão ela havia esquecido de travar.
Ela sai do carro e o observa com fúria por alguns segundos e inesperadamente lhe dá um ardido tapa no rosto. A ele só resta revidar. Segura-a firmemente pelos braços, empurrando-a contra o carro e a beija com o mesmo ardor do tapa que acabou de levar.
Na manhã seguinte dois molhos de chave repousam na cabeceira de sua cama...