03 abril 2007

Ter ou não ter namorado? Eis a questão.

Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas.
Difícil porque namorada de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia.
Mas namorado, mesmo, é muito difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção não precisa ser parruda, decidida; ou bandoleira basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Não tem namorada quem não sabe o gosto de chuva, cinema sessão das duas, sanduíche de padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado quem faz pacto de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de durar.
Não tem namorada quem não sabe o valor de mãos dadas; de carinho escondido na hora em que passa o filme; de flor catada no muro e entregue de repente; de poesia lida bem devagar; de gargalhada quando fala junto; de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorada quem não tem música secreta, quem não dedica livros, quem não recorta artigos; Não tem namorada quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar.
Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada, ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais. Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações.
Não tem namorada quem confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorada quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado é porque não descobriu que o amor é alegre e vive pesando duzentos quilos de grilos e medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita e passeie de mãos dadas com o ar.
Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada.
Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteria.
Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.
ENLOU-CRESÇA.

Carlos Drummond de Andrade

3 comentários:

Anônimo disse...

Olá... Monize, estou encantado com suas obras... nossa!

Sabe, estou indo correndo arrumar uma namorada.
;)

bjs sentidos..

PS: linkando seu espaço junto ao meu, espero que não se importe.

Anônimo disse...

Muito bom... O Carlos Drummond é um dos meu poetas preferidos e o é por ser assim: simples!

Anônimo disse...

Poxa, eu estou fragilizado e você me posta essas coisas? Ahahahaha!

Que BOM que retomou o blog!!! Fiquei feliz.